A conspiração da insensatez : como a tolice guia a sociedade



Joel Lourenço Pinto

Sejamos sinceros: todos cometemos tolices. Todos somos um pouco “estúpidos”, em maior ou menor grau, e talvez o simples facto de refletirmos sobre a estupidez já seja, por si, uma grande tolice. Mas…
Se a Humanidade se encontra num estado tão precário — à beira de conflitos autodestrutivos, ameaçada por crises ecológicas, pelo fanatismo religioso e pelo populismo que desgasta a democracia —, se está mergulhada em dificuldades, miséria e infelicidade, isso deve-se, em parte, à insensatez generalizada que parece atuar como uma conspiração silenciosa contra o bem-estar coletivo.
Ao longo da história, várias figuras refletiram sobre esta questão, cada uma à sua maneira. Desde Erasmo de Roterdão com o Elogio da Loucura (1511) até José Saramago com o Ensaio sobre a Cegueira, passando por autores como Rabelais, Voltaire, Schopenhauer e Nietzsche, a estupidez humana foi abordada como uma característica que tanto pode ser destrutiva como provocadora. Essas reflexões, profundamente críticas, destacam a insensatez como algo que permeia todas as esferas da vida humana.
A tolice revela-se em atitudes simplistas e impulsivas, numa mentalidade de rebanho que sufoca o pensamento crítico, na falta de empatia para ver o outro como ele realmente é e na constante repetição dos mesmos erros. Estes são sinais evidentes desta “tolice social” que nos define. E o problema torna-se especialmente grave quando a sociedade enfrenta desafios profundos, como os de hoje, exigindo de nós uma verdadeira capacidade de discernimento.
Num documentário recente sobre os apoiantes de Trump, ouvi uma afirmação profundamente chocante do pastor evangélico americano Thomas Robb, líder nacional dos “Knights of the Ku Klux Klan”. Segundo ele, os textos bíblicos que apelam ao amor ao próximo destinam-se apenas aos brancos… Como interpretar tamanha distorção do Evangelho? Dá vontade de lhe recordar que “o tolo não encontra prazer no entendimento, mas apenas no que lhe passa pela cabeça” (Provérbios 18:2) e que Jesus ensinou: “Aquele que ouve as minhas palavras e não as pratica, será comparado ao tolo que construiu a sua casa sobre a areia” (Mateus 7:26).
Em tempos de crise, como os que atravessamos, instala-se facilmente um clima de medo e incerteza que propicia o crescimento de sentimentos negativos e irracionais. Mesmo pessoas instruídas e esclarecidas podem sucumbir ao receio de perder a sua identidade cultural ou religiosa, o que pode levar a atitudes exclusivistas, nacionalistas ou até conspiracionistas. Na Bíblia, o medo é frequentemente apresentado como um dos maiores obstáculos à fé e ao discernimento. Contudo, em vez de buscarem respostas alicerçadas no amor e na confiança em Deus, alguns cristãos caem na armadilha de procurar “seguranças” e “inimigos” a quem possam atribuir as suas dificuldades. Esse medo alimenta o desejo de proteger a própria comunidade a qualquer custo, mesmo quando isso contraria os valores cristãos. Assim, um evangelho que deveria promover a paz e a inclusão acaba por ser usado para justificar divisões e preconceitos.
O cristianismo convida-nos a um caminho de amor, compaixão e abertura ao próximo — princípios que, se vividos plenamente, podem ajudar a construir pontes em vez de erguer barreiras. Que, em vez de sucumbirmos às armadilhas da irracionalidade e do preconceito, possamos reencontrar no evangelho a força para cultivar a paz, a solidariedade e o discernimento.

A teoria da "tolice" segundo Bonhoeffer:

Confrontado à cegueira do povo alemão, sob o nazismo, Bonhoeffer diz que não vale a pena tentar convencer os estúpidos através do raciocínio e que isso é não só inútil como perigoso! Para lidarmos com a insensatez, precisamos de tentar compreender a sua natureza: não é um defeito inato, mas o resultado de circunstâncias que levam as pessoas a agir de forma insensata ou em que se deixam cair na irracionalidade.

Leia o ensaio de Bonhoeffer sobre a tolice…

© International Bonhoeffer Society

Dietrich  Bonhoeffer (1906-1945), pastor e teólogo, um dos dirigentes protestantes da Igreja alemã clandestina. Foi  enforcado pelos nazis no campo de concentração de Flossenbürg. 

ECUMENISMO: superar obstáculos e construir pontes

" Será a relação entre Cirilo e Putin: um casamento de conveniência ? "

" Repreeendemos aqueles que oram pela paz enquanto falham em fazer a paz "

Em destaque

Retrospetiva e exame do relacionamento entre  o catolicismo romano e as outras famílias cristãs :

RESISTIR É EXISTIR

Jacques Ellul : o homem que previu quase tudo!


O Sínodo de Barmen e a resistência cristã ao nazismo

Declaração de Fé de Barmen

Durante o Sínodo clandestino de Wüppertal-Barmen, o teólogo suíço Karl Barth, na altura professor de teologia em Bona, redigiu uma Confissão ou Declaração de Fé que seria aprovada pelos participantes. Este texto é um marco importante da resitência cristã ao nazismo. Leia mais…

“Rejeitamos a falsa doutrina segundo a qual a Igreja deve reconhecer, por cima ou ao lado da Palavra de Deus, outros poderes, personalidaedess e verdades como Revelação de Deus e fonte da sua pregação”

© A.Savin, WikiCommons: Porta da Igreja de Wittenberg onde Lutero afixou as 95 teses

PONTO DE VISTA

Apresentamos aqui uma nova rubrica que pretende dar a palavra aos nossos convidados.

Este mês, Alain Schwaar compartilha connosco as suas interrogações :

Porquê a guerra?

Uma troca de correspondência entre Einstein e Freud (Warum Krieg?) sobre a guerra, datada de julho de 1932, mas de grande atualidade. As cartas, de que aqui traduzimos alguns extratos, foram publicadas no site Web da UNESCO.

TEOLOGIA PARA TODOS

Como será a Igreja do futuro? Mais simplificada ? Mais comprometida com uma sociedade em profunda mutação?

Dossiê: "Recomeçar a Igreja?

Cânticos e melodias intemporais…

Cânticos e melodias intemporais…

Cet article a 2 commentaires

  1. Joaquim Armindo

    Parabéns, vão em frente

  2. Paulo Fontes

    Só hoje tive conhecimento de Itinerários! Parabéns pela iniciativa.
    Acabo de ler a notícia do falecimento do Pastor Leite, que conheci pessoalmente em várias iniciativas ecuménicas, nomeadamente aquando da realização das Jornadas europeias “Paz para toda a criação” realizadas em Basileia em 1989, salvo erro. Eu era um dos integrantes da delegação católica, ele um dos organizadores do evento ecuménico. Bela e profética iniciativa! Boas memórias que guardo.
    Abraço amigo aos promotores de Itinerários!

Laisser un commentaire