O Sínodo de Barmen

Quando o nacional-socialismo chegou ao poder, poucos alemães se davam conta de que um dos seus principais objetivos era a destruição do cristianismo. Mas pretendia fazê-lo por etapas. Primeiramente, tratava-se de reunir as 28 Igrejas regionais numa única Igreja, a Igreja imperial ou do Reich submetida ao regime. No seio desta Igreja nacional, um grupo eclesiástico nacionalista, racista e antissemita, cujo nome era “os cristãos alemães” (em alemão Deutsche Christen) tinha-se, entretanto, apoderado da direção da Igreja nacional em 1933. O segundo objetivo era a “dejudaização” do cristianismo, expurgando-o do Antigo Testamento e das cartas do Apóstolo Paulo. Finalmente, incentivava a sua substituição por uma religiosidade holística, isto é, uma religiosidade inclusiva que reunia as mais diversas religiões num todo onde se amalgamavam as grandes tradições, o paganismo, o culto da natureza e a magia. No fundo, a ideologia nacional-socialista precisava de um deus natural e imanente, que se confundisse com as criaturas, para consolidar o seu projeto totalitário.

Neste contexto, a pessoa do dirigente máximo ou Führer, incarnação da nação e líder “designado” pelas energias cósmicas, surgia como um novo Messias. Por muito surpreendente que isso hoje nos pareça, os dirigentes eclesiásticos da época saudaram a chegada de Adolfo Hitler ao poder como o advento da redenção do povo alemão e o início de uma nova era que se confundia com a esperança cristã tradicional sobre o fim da História. Confrontados a esta terrível perversão da fé cristã, um grupo de cristãos protestantes reuniu-se de 29 a 31 de maio de 1934 em Wuppertal-Barmen (Vestfália, Alemanha) para organizar a resistência espiritual contra a heresia nacionalista e racista dos Deutsche Christen. Entre eles, encontravam-se Karl Barth, Rudolph Bultmann e Dietrich Bonhoeffer, figuras eminentes da teologia protestante do século passado.

Surge deste Sínodo clandestino a Declaração ou Confissão de Barmen, redigida essencialmente pelo teólogo suíço Karl Barth, na altura professor na Universidade de Bona, mas aprovada pelos participantes. Aí pode ler-se a seguinte afirmação-choque, que soa como um eco às grandes confissões de fé da Reforma: “rejeitamos a falsa doutrina segundo a qual, por cima ou ao lado da única Palavra de Deus, a Igreja poderia ou deveria reconhecer outros acontecimentos e poderes, personalidades e verdades…”.

Tratava-se, naturalmente, de contestar a pretensão totalitária do nacional-socialismo. Porém, esta dissidência foi bastante criticada. Alguns luteranos mais conservadores pensavam que esta declaração se afastava demasiadamente da doutrina tradicional dos dois reinos, segundo a qual Deus governa o mundo de duas maneiras ou “reinos”: por meio da Lei e do Estado e através dos cristãos que proclamam o Evangelho. Ora, segundo esta doutrina, o Estado devia ser obedecido porque está ao serviço de Deus. Uma outra crítica referia-se à ilegitimidade do Sínodo de Barmen, que não tinha sido convocado pelas autoridades da Igreja nacional. Finalmente, os adeptos do liberalismo teológico (neoprotestantismo cultural), troçavam da estreiteza de espírito e até mesmo de um certo fundamentalismo subjacente a esta declaração.

A pesar das críticas, este texto é hoje considerado como um marco importantíssimo para as Igrejas alemãs.

Leia a Confissão Teológica de Barmen

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