Declaração Teológica de Barmen

I – Um apelo às congregações evangélicas e aos cristãos da Alemanha

O Sínodo Confessional da Igreja Evangélica Alemã reuniu-se na cidade de Barmen, de 29 a 31 de Maio de 1934. Representantes de todas as Igrejas Confessionais alemãs uniram-se unanimemente numa confissão do único Senhor da Igreja una, santa e apostólica. Fiéis à sua confissão de fé, os membros das Igrejas Luterana, Reformada e Unida procuraram redigir uma mensagem comum para ir ao encontro das necessidades e tentações da Igreja nos nossos dias. Com gratidão a Deus, estão convictos de que lhes foi concedida uma palavra comum para dizerem. Não foi sua intenção fundar uma nova Igreja ou formar uma união de Igrejas. Nada esteve tão longe dos seus pensamentos do que a abolição do «status» confessional das nossas Igrejas. Pelo contrário, a sua intenção era resistir com fé e unanimidade à destruição da Confissão de Fé, e, por conseguinte, da Igreja Evangélica na Alemanha. Em oposição às tentativas de estabelecer a unidade da Igreja Evangélica Alemã mediante uma falsa doutrina, fazendo uso da força e de práticas insinceras, o Sínodo Confessional insiste que a unidade das Igrejas Evangélicas na Alemanha só poderá provir da Palavra de Deus na fé concedida pelo Espírito Santo. Somente assim a Igreja se renova.

O Sínodo Confessional, portanto, conclama as congregações para se unirem em oração e coesas cerrarem fileiras em torno dos pastores e mestres que permanecem fiéis às suas Confissões de Fé.

Não vos deixeis enganar pelos boatos de que pretendemos opor-nos à unidade da nação alemã!

Não deis ouvidos aos sedutores que pervertem as nossas intenções, dando a impressão de que desejaríamos quebrar a unidade da Igreja Evangélica Alemã ou abandonar as Confissões dos Pais da Igreja.

Examinai os espíritos, para ver se eles são de Deus! Provai também as palavras do Sínodo Confessional da Igreja Evangélica Alemã para testar se estão conformes com a Sagrada Escritura e com a Confissão dos Pais. Se achardes que nossas palavras se opõem à Escritura, então não nos deis atenção! Mas se julgardes que a nossa posição é conforme com a Escritura, então não permitais que o medo ou a tentação vos impeça de trilhar connosco a vereda da fé e da obediência à Palavra de Deus, a fim de que o povo de Deus tenha um só pensamento na terra e que nós experimentemos pela fé aquilo que ele mesmo disse: «Nunca vos deixarei, nem vos abandonarei». Por esse motivo, «não temais, ó pequenino rebanho, porque vosso Pai se agradou em dar-vos o seu reino».

II – Declaração teológica a respeito da situação atual da Igreja Evangélica Alemã

Conforme as palavras iniciais da sua Constituição, datada de 11 de Julho de 1933, a Igreja Evangélica Alemã é uma federação de Igrejas Confessionais, oriundas da Reforma, gozando de direitos iguais. O fundamento teológico para a unificação dessas Igrejas acha-se nos artigos 1º e 2º da Constituição da Igreja Evangélica Alemã, reconhecida pelo Governo do Reich em 14 de Julho de 1933.

Artigo 1º: A base inviolável da Igreja Evangélica Alemã é o Evangelho de Jesus Cristo, conforme nos é atestado nas Sagradas Escrituras e trazido novamente à luz nas Confissões da Reforma. Todos os poderes necessários à Igreja para cumprir sua missão por ele são determinados e limitados.

Artigo 2º: A Igreja Evangélica Alemã é dividida em igrejas regionais (Landeskirchen).

Nós, os representantes das Igrejas Luterana, Reformada e Unida, dos Sínodos livres, das assembleias eclesiásticas e organizações paroquiais unidas no Sínodo Confessional da Igreja Evangélica Alemã, declaramos estarmos unidos na base da Igreja Evangélica Alemã como uma federação de Igrejas Confessionais. Unifica-nos a confissão de um só Senhor da Igreja una, santa, católica e apostólica.

Declaramos publicamente nesta Confissão, perante todas as igrejas evangélicas da Alemanha, que aquilo que ela mantém como património comum está a ameaçar a unidade da Igreja Evangélica Alemã. Ela é ameaçada pelos métodos de ensino e de ação do partido eclesiástico dominante dos «cristãos alemães» e pela administração da Igreja por ele conduzida. Esses métodos têm-se tornado cada vez mais salientes neste primeiro ano de existência da Igreja Evangélica Alemã. Essa ameaça reside no fato de que a base teológica da unidade da Igreja Evangélica Alemã tem sido contrariada contínua e sistematicamente e tornada ineficaz por doutrinas estranhas, da parte dos líderes e porta-vozes dos «cristãos alemães», bem como da parte da administração da Igreja. Se tais doutrinas conseguirem impor-se, então, conforme a todas as Confissões de Fé em vigor, a Igreja deixará de ser Igreja, e a Igreja Evangélica Alemã, como federação de Igrejas Confessionais tornar-se-á intrinsecamente impossível.

Na qualidade de membros das Igrejas Luterana, Reformada e Unida, podemos e devemos falar com uma só voz nesta matéria. Precisamente por querermos ser e permanecer fiéis às nossas várias Confissões, não nos podemos silenciar, pois cremos ter recebido uma mensagem comum para proclamá-la numa época de necessidades e tentações gerais. Depositamos a nossa confiança em Deus pelo que isto possa significar para as inter-relações das Igrejas Confessionais.

Face dos erros dos «cristãos alemães» da presente administração da Igreja do Reich, erros que estão assolando a Igreja e, também, rompendo, por esse motivo, a unidade da Igreja Evangélica Alemã, confessamos as seguintes verdades evangélicas:

1 – « Eu sou o caminho e a verdade e a vida. Ninguém pode chegar ao Pai sem ser por mim » (João 14, 6). « Ouçam com atenção: aquele que não entra no curral das ovelhas pela porta, mas entra por outro lado, é ladrão e salteador. . . Eu sou a porta. Aquele que entrar por mim, salva-se. » (João 10, 1 e 9).

Jesus Cristo, como nos é atestado na Sagrada Escritura, é a única Palavra de Deus que devemos ouvir, e em quem devemos confiar e a quem devemos obedecer na vida e na morte.

Rejeitamos a falsa doutrina de que a Igreja teria o dever de reconhecer – além e à parte da Palavra de Deus – ainda outros acontecimentos e poderes, personagens e verdades como fontes da sua pregação e como revelação divina.

2 –  « É por Deus que vocês vivem em união com Cristo Jesus, que se tornou para nós a sabedoria que vem dele, que nos pôs em boas relações com Deus, e nos consagrou a ele e nos libertou do pecado. » (1 Coríntios 1, 30).

Assim como Jesus Cristo é a certeza divina do perdão de todos os nossos pecados, assim e também com a mesma seriedade, é a reivindicação poderosa de Deus sobre toda a nossa existência. Por seu intermédio experimentamos uma jubilosa libertação dos ímpios grilhões deste mundo, para servirmos livremente e com gratidão as suas criaturas.

Rejeitamos a falsa doutrina de que, na nossa existência haveria áreas em que não pertencemos a Jesus Cristo, mas a outros senhores, áreas em que não necessitaríamos da justificação e santificação por meio dele.

3 – « Mas, proclamando a verdade com amor, cresceremos em todos os sentidos, para Cristo, que é a cabeça. É nele que todo o corpo se mantém firmemente unido pelas articulações e de cada uma delas recebe força para ir crescendo em harmonia. » (Efésios 4, 15-16).

A Igreja Cristã é uma comunidade fraternal, na qual Jesus Cristo age atualmente como Senhor através da Palavra, dos Sacramentos e através do Espírito Santo. Como Igreja formada por pecadores justificados, ela deve, num mundo pecador, testemunhar da sua fé, obediência, mensagem e organização, que só dele ela é propriedade, que ela vive e deseja viver tão somente da sua consolação e das suas instruções na expectativa da sua vinda.

Rejeitamos a falsa doutrina de que à Igreja seria permitido substituir a forma da sua mensagem e organização, a seu bel-prazer ou de acordo com as respectivas convicções ideológicas e políticas reinantes.

 4 – « Como sabem, os que governam os povos têm poder sobre eles e os grandes são os que mandam neles. Mas entre vocês não pode ser assim. Pelo contrário, aquele que quiser ser o mais importante, seja como um criado. » (Mateus 20, 25-26).

A diversidade de funções na Igreja não estabelece o predomínio de uma sobre a outra, mas, antes o exercício do ministério confiado e ordenado a toda a comunidade.

Rejeitamos a falsa doutrina de que a Igreja, desviada deste ministério, poderia dar a si mesma ou permitir que se lhe dessem líderes especiais revestidos de poderes de mando.

5 – « Tenham temor a Deus, respeitem o rei! » (1 Pedro 2, 17).

A Escritura nos diz que o Estado tem o dever, conforme a ordem divina, de zelar pela justiça e pela paz no mundo ainda que não redimido, no qual também vive a Igreja, segundo o padrão de julgamento e capacidade humana com emprego da intimidação e exercício da força. A Igreja reconhece o benefício dessa ordem divina com gratidão e reverência a Deus. Lembra a existência do Reino de Deus, dos mandamentos e da justiça divina, chamando dessa forma a atenção para a responsabilidade de governantes e governados. Ela confia no poder da Palavra e lhe presta obediência, mediante a qual Deus sustenta todas as coisas.

Rejeitamos a falsa doutrina de que o Estado poderia ultrapassar a sua missão especifica, tornando-se uma diretriz única e totalitária da existência humana, podendo também cumprir desse modo, a missão confiada à Igreja.

Rejeitamos a falsa doutrina de que a Igreja poderia e deveria, ultrapassando a sua missão específica, apropriar-se das características, dos deveres e das dignidades estatais, tornando-se assim, ela mesma, um órgão do Estado.

6 – « Saibam que estarei sempre convosco até ao fim do mundo. » (Mateus 28, 20). « A Palavra de Deus não se deixa acorrentar. » (II Tim 2, 9).

A missão da Igreja, na qual repousa a sua liberdade, consiste em transmitir a todo o povo – em nome de Cristo e, portanto, ao serviço da sua Palavra e da sua obra pela pregação e pelos sacramentos – a mensagem da livre graça de Deus.

Rejeitamos a falsa doutrina de que a Igreja, possuída pela arrogância humana, poderia colocar a Palavra e a obra do Senhor ao serviço de quaisquer desejos, propósitos e planos escolhidos arbitrariamente.

O Sínodo Confessional da Igreja Evangélica Alemã declara ver no reconhecimento destas verdades e na rejeição desses erros, a base teológica indispensável da Igreja Evangélica Alemã na sua qualidade de federação de Igrejas Confessionais. Ele convida todos os que se sentirem aptos a aceitar esta declaração a terem sempre em mente estes princípios teológicos nas suas decisões de política eclesiástica. Ele concita a que não poupem esforços para o retorno à unidade da fé, do amor e da esperança.

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