O que propomos mostrar é como as várias religiões (budismo, catolicismo, islamismo, judaísmo, ortodoxia e protestantismo), através dos seus movimentos teológicos, enformam princípios gerais da ecoteologia e como essas propostas constituem uma teologia viva com impacto positivo na estabilização emocional, responsabilidade e na ecopraxis. Propomos ainda abordar outros assuntos que entrelacem os temas do ambiente com a religião e a espiritualidade. É para responder a esta necessidade, que surgiu a ideia de introduzir esta rúbrica de psicologia e ambiente neste blog em que se trata de assuntos da religião e da espiritualidade. É objetivo desta rúbrica a divulgação de fundamentos da ecoteologia, provenientes de várias religiões, que sirvam de instrumento de apoio à reflexão e ao desenvolvimento de uma ética ecológica e social.
Estamos num momento em que o conhecimento científico sobre o estado do ambiente é consistente e nos informa acerca de dois temas urgentes: (1) alterações climáticas e seu impacto nas injustiças sociais e (2) a necessidade de proteção dos oceanos e de todos os aquíferos. Informa-nos ainda sobre os objetivos/metas que temos de alcançar num período de tempo concreto para reverter a situação, e sua dependência da mudança dos comportamentos humanos (dependência antropogénica).
Hoje em dia não há dúvida nenhuma sobre a dimensão do problema das alterações climáticas, sendo a sua consistência científica surpreendente. Sabemos também da sua dependência de causas antropogénicas e quais os comportamentos humanos diretamente relacionados com a problemática – comportamento de consumo (em particular o alimentar), preferências modais (transportes), utilização de energia e materiais (opções a nível doméstico e outras), ocupação do espaço – e as mudanças que têm de ser introduzidas.
Não deixa de ser surpreendente que, em vez desta consistência científica servir para alimentar pensamentos e sentimentos que reforcem as convicções da maioria das pessoas acerca da importância da participação, a mesma se tenha vindo a traduzir num conjunto de modelos mentais enviesados, que correspondem a construções pessoais e representações sociais baseadas em factos incompletos que conduzem à inação. Os estudos científicos na área da psicologia que investigam os enviesamentos dos modelos mentais identificam duas causas concretas: (1) a complexidade associada diretamente ao fenómeno (a sua comunicação tem de ser efetuada em termos probabilísticos e não de causalidade, consequências pouco visíveis e difundidas em termos geográficos, mudança lenta, confusão entre estado de tempo e clima, comportamentos sem gratificação imediata), mas também (2) um conjunto de condicionalismos sociais que levam à polarização do discurso ambiental, por vezes associada ao populismo ou à espetacularização do ambientalismo.
Caracterizando minimamente estes acontecimentos sociais, pode dizer-se que a polarização dos discursos é desencadeada por grupos, mais ou menos partidarizados, que se aproveitam da falta de estabilização dos modelos mentais, tomando como seus os assuntos ambientais fraturantes, não propriamente para contribuir para a sua resolução, mas para alcançarem notoriedade e atraírem pessoas para os seus ideais radicais. A espetacularização do ambientalismo introduz geralmente informações dissonantes dos conhecimentos científicos, muitas vezes notícias falsas. Conta ainda com modelos de identificação, com mais motivações narcísicas do que objetais, e propõem extremar comportamentos ambientais. O desenvolvimento de processos de identificação e identidade ecológica por parte dos seguidores é pouco estável.
Estas influências sobre a perceção ambiental redundam em modos de processamento da informação mais heurísticos do que racionais, o que quer dizer que para a tomada de decisão as pessoas deixam de ser movidas pela razão que tem na sua base conhecimentos e informações provenientes de fontes credíveis para serem influenciadas por emoções como o medo, a ira/raiva ou a aversão. O que é preocupante aqui é que também as estratégias de intervenção utilizadas até hoje para a mudança comportamental (e.g. fornecer conhecimentos e informação sobre a problemática e sobre modos de atuação para revertê-la) são muitas vezes ineficazes. Neste contexto, existem hoje vários desafios que se colocam às escolas, ONG de ambiente, igrejas, media e cada um de nós que passam por saber como lidar com esta contrainformação, como reconhecer tentativas de manipulação (e.g. discurso do medo, do melodrama, persuasão para seguir modelos de identificação de forma acrítica, ou o incentivo a que todos radicalizem os seus comportamentos), mas sobretudo quais as estratégias que dispomos para podermos apoiar a estabilização das emoções inoculando-nos da tensão e do mal-estar.
A religiosidade e a espiritualidade podem ter um papel muito importante, não só nesta estabilização como na orientação dos estilos de vida alinhados com a proteção ambiental. Todos nós reconhecemos o poder que a religião tem tido na influência de determinados comportamentos, como o alimentar e a forma de vestir, bem como a sua capacidade de estabilizar os indivíduos em contextos de risco e ameaça; infelizmente só a estabilização emocional sem orientações mais específicas, podem conduzir à perceção de invulnerabilidade que bloqueia a adoção de comportamentos de proteção do próprio, dos outros e do ambiente. Estou-me a lembrar das pessoas que residem em contextos cuja probabilidade de ocorrência de calamidades naturais é elevada e que se estabilizam emocionalmente recorrendo à religião ignorando informações importantes para se protegerem.
O desafio será assim haver um número cada vez maior de pessoas de todas as idades perfeitamente estabilizadas em relação às suas emoções de fundo, mas com noções claras quanto à ética do processo e da finalidade relacionada com a atuação ecológica e em que, mais do que se comprometerem com a adoção de comportamentos ambientais específicos e/ou apenas ocasionalmente, os enquadrem nos seus princípios religiosos.
Olga Brito e Abreu