Todas as tradições religiosas e sapienciais instruíram os homens sobre as suas origens e os fins últimos da sua vida porque, sendo a existência marcada por inúmeras contingências, nomeadamente a violência, o sofrimento, as catástrofes e a morte, não sendo plenamente feliz, era necessário que a humanidade defrontasse a sombra ameaçadora do “nada” através de relatos simbólicos e de crenças, capazes de a manter de pé na sua caminhada existencial.
A partir do momento em que na Europa, durante cerca de 300 anos, a humanidade começa a emancipar-se da natureza através da ciência e da tecnologia, dominando-a e controlando áreas que até então eram atribuídas ao sobrenatural, surge o sentimento da vacuidade. A consciência de que a realidade é, simplesmente, um emaranhado de dependências e interdependências que não exigem a intervenção de uma divindade criadora e providente, gerou um vazio de sentido. O niilismo (negação do sentido da existência), implicando a relativização das crenças e das normas morais e sociais, ganhou terreno na modernidade. O otimismo científico, que supõe que os progressos da ciência e da tecnologia tornaram caducas a maior parte das interrogações existenciais tradicionais, impôs-se.
No entanto, a Grande Guerra, a crise dos anos 30, o fascismo, o comunismo, a Segunda Guerra Mundial, o perigo das armas atómicas e a crise ecológica, desafiaram o otimismo científico. É a partir desta conjuntura que circula a frase atribuída a André Malraux: “o século XXI será espiritual ou não será”.
Hoje, em 2021, será a humanidade redutível à produção e ao consumo? Será que que a civilização ocidental vai ser a primeira na história a responder à interrogação sobre o sentido da vida com um “não sei” desapegado ou distraído? Confrontados a uma crise ecológica, económica, política e sanitária sem precedentes, como é que respondemos às antigas interrogações que nos tornaram humanos? No que me diz respeito, tento responder, entre outras coisas, que estou aqui para desenvolver o meu potencial de vida, para me humanizar, para cuidar da natureza e torná-la amigável. Mas como cristão acredito, sobretudo, que estou no mundo “para conhecer Deus e glorificá-lo” (catecismo de João Calvino), isto é, ser o seu rosto humano, homem/mulher à imagem e semelhança de Deus, tal como Jesus de Nazaré o incarnou e glorificou. Estou aqui para experimentar a dimensão divina concretamente, no tempo e no espaço, no aqui e no agora da minha vida pessoal e comunitária.
Isso não esgota necessariamente a lista das respostas possíveis às nossas interrogações existenciais. Cada um de nós é livre de lhe adicionar a sua própria interpretação da realidade. A proposta cristã diz simplesmente que embora muito diferente de nós, Deus não é inacessível! Deus encontrou-nos, olhos nos olhos, através de Jesus de Nazaré, para nos dizer que a nossa vida tem significado, que somos filhos de Deus e que ele tem para nós um projeto de vida!
Joel Lourenço Pinto