Caro Amigo, (…)
Haverá alguma forma de libertar os homens da ameaça de guerra?
É hoje geralmente aceite que os progressos da tecnológicos tornaram esta questão vital para a humanidade civilizada e, no entanto, os ardentes esforços dedicados à busca da solução deste problema falharam até agora, de forma assustadora.
Creio que, entre aqueles que também este problema ocupa prática e profissionalmente, existe o desejo, decorrente de um certo sentimento de impotência, de procurar conselho sobre esta questão junto de pessoas cuja atividade científica as habituou a distanciarem-se de todos os problemas da vida para melhor os compreender. No que me diz respeito, a direção habitual do meu pensamento não é aquela que permite remexer nas profundezas da vontade e do sentimento humano, e é por isso que, na troca de pontos de vista que estou a iniciar aqui, dificilmente consigo imaginar fazer muito mais do que tentar colocar o problema e, deixando de lado as tentativas antecipadas de uma solução mais ou menos externa, dar-lhe a oportunidade de esclarecer esta questão do ângulo do seu profundo conhecimento da vida instintiva da humanidade (…)
Para mim, que me considero livre de preconceitos nacionalistas, a face externa do problema neste caso, ou seja, o elemento organizacional, parece-me simples: os Estados criam uma autoridade legislativa e judicial para o apaziguamento de todos os conflitos que neles possam surgir. Comprometem-se a submeter-se às leis elaboradas pela autoridade legislativa, a recorrer ao tribunal em todos os casos litigiosos, a respeitar sem reservas as suas decisões e a executar – a fim de garantir a sua aplicação – todas as medidas que o tribunal considere necessárias. Aqui chego à primeira dificuldade: um tribunal é uma instituição humana que pode ser tanto mais acessível a exigências extralegais nas suas decisões, quanto menos dispuser de força na aplicação dos seus veredictos. É um facto a ter sempre em conta: a lei e a força estão inseparavelmente ligadas, e os veredictos de uma entidade jurídica aproximam-se do ideal de justiça da comunidade, em cujo nome e interesse a lei é promulgada, na medida em que esta comunidade pode reunir as forças necessárias para fazer cumprir o seu ideal de justiça. Mas estamos atualmente muito longe de ter uma organização supra-estatal capaz de dotar o seu tribunal de uma autoridade inatacável e garantir a submissão absoluta à execução das suas sentenças. E aqui está o primeiro princípio que me vem à mente: o caminho para a segurança internacional exige que os Estados renunciem incondicionalmente a parte da sua liberdade de ação, por outras palavras, a parte da sua soberania. E não há dúvida de que não existe outro caminho possível para obter esta segurança.
Um olhar sobre o fracasso dos esforços certamente sinceros dos últimos dez anos faz-nos compreender que existem forças psicológicas poderosas em ação que paralisam esses esforços. Algumas destas forças são facilmente visíveis. O apetite pelo poder da classe dirigente de um Estado opõe-se à limitação dos seus direitos de soberania. Este “apetite político pelo poder” encontra frequentemente alimento nas reivindicações de outra classe cujo atividade económica se manifesta de uma forma muito material. Estou a pensar, em particular, naquele grupo dentro de cada povo, pequeno em número mas determinado, pouco preocupado com as experiência e os fatores sociais, que é composto por indivíduos para quem a guerra, o fabrico e o tráfico de armas não representam mais do que uma oportunidade para obter vantagens especiais, para expandir o âmbito do seu poder pessoal.
Esta simples observação é, no entanto, apenas um primeiro passo para compreender as circunstâncias. Desde logo, levanta-se uma questão: como é que esta minoria pode submeter aos seus apetites a grande massa do povo, que nada mais retira de uma guerra senão sofrimento e empobrecimento? (Quando falo da massa do povo, não pretendo excluir deles aqueles que, como soldados, seja qual for a sua patente, fizeram da guerra uma profissão com a convicção de que trabalham para defender os bens mais preciosos do seu povo, pensando que a melhor defesa é por vezes o ataque). Na minha opinião, a primeira resposta é esta: Esta minoria dirigente tem nas suas mãos em primeiro lugar a escola, a imprensa e quase sempre as organizações religiosas. É por estes meios que domina e dirige os sentimentos da grande massa, da qual faz o seu instrumento cego.
Mas esta resposta ainda não explica a cadeia de fatores envolvidos, pois surge outra questão: como é possível que a massa, pelos meios que indicámos, se deixe inflamar até ao ponto de perder a razão e se sacrificar? Não vejo outra resposta para além desta: O homem tem dentro de si a necessidade de odiar e destruir. Em tempos normais esta disposição existe num estado latente e só se manifesta em períodos anormais; mas pode ser despertada com uma certa facilidade e degenerar em psicose coletiva. Ao que parece, este é o problema essencial e mais secreto deste conjunto de fatores. É este o ponto em que só um grande conhecedor dos instintos humanos pode lançar alguma luz.
Isto leva-nos a uma última questão: Existe alguma possibilidade de dirigir o desenvolvimento psíquico do homem de modo a torná-lo mais bem armado para lutar contra as psicoses do ódio e da destruição? E longe de mim pensar aqui apenas nos chamados indivíduos incultos. Tenho verificado, pela minha própria experiência, que é antes a chamada “inteligência” que é a presa mais fácil de desastrosas sugestões coletivas, porque não tem o hábito de recorrer às fontes da experiência vivida, e que é pelo contrário através do meio de papel impresso que ela se deixa facilmente e completamente capturar.
E finalmente: até agora só falei da guerra entre Estados, por outras palavras, dos chamados conflitos internacionais. Não ignoro que a agressão humana também se manifesta sob outras formas e sob outras condições (por exemplo, guerra civil, anteriormente causada por motivos religiosos, hoje em dia por motivos sociais, a perseguição de minorias nacionais). Mas sublinhei deliberadamente a forma mais desenfreada de conflito que se manifesta no seio das comunidades humanas, porque é partindo desta forma que os meios de evitar conflitos armados serão mais facilmente encontrados (…)
Atenciosamente,
A. EINSTEIN