Um dos princípios fundamentais do ordenamento jurídico do Estado de Direito, é que “Todo o arguido se presume inocente enquanto não tiver sido legalmente provada a sua culpa”. Segundo a Wikipédia, parece que a presunção de inocência foi introduzida no direito comum americano pelo Supremo Tribunal dos Estados Unidos, em 1895, para benefício de um gerente de banco. É curioso que não se tratava de uma infração contra indivíduos, mas de fraude!
É no entanto possível interrogarmo-nos criticamente: a presunção de inocência é um princípio ou uma lei?
Como sabemos, pode acontecer nessas circunstâncias que o culpado de um crime contra uma pessoa – se se provar que o é após o julgamento! – poderá permanecer na sua posição de explorador, abusador ou autor de ameaças até ao julgamento. E isso pode durar muito tempo, tanto mais que é frequente o presumível culpado lançar uma queixa por difamação como contraofensiva! O que prolonga o intervalo entre os acontecimentos e a decisão judicial, com vantagem para a parte mais forte. E se a acusação se revelar infundada, pode haver uma indemnização em benefício da pessoa considerada inocente, a menos que exista um acordo entre as partes que permita ao presumido inocente de evitar litígios, oferecendo, à partida, uma indemnização financeira (mas para quê?).
E se invertêssemos o raciocínio: ao que é que conduziria uma “presunção de culpa”? Vale a pena imaginarmos…
O presumível culpado ficaria nesse caso vinculado a certas regras para evitar a prossecução de atos eventualmente culposos. A alegada vítima seria temporariamente protegida enquanto aguardasse o julgamento. E se o autor do crime tivesse sido injustamente denunciado e não fosse considerado culpado, então deveria ser-lhe paga uma indemnização.
Concretamente, nos casos de abuso sexual e de alegada violência contra mulheres e crianças, por exemplo, na situação atual, o acusado é o mais forte; e é ainda pior quando se trata de alguém importante, que tem o apoio da sociedade. É ele que está protegido pela presunção de inocência até ao julgamento, que pode ter lugar meses ou mesmo anos após os acontecimentos. E, no caso dos recursos, o julgamento final será efetuado quando a opinião pública já tiver esquecido o acontecimento ou este já tenha passado à história. Em suma, em caso de abuso de poder, são os poderosos que são protegidos. E as vítimas destes atos têm de esperar, desprotegidas e não reconhecidas.
Mas se o ónus da prova fosse invertido, a situação seria muito diferente. A vítima deixaria de estar nessa terra de ninguém onde durante anos receia represálias, tem de se proteger, é humilhada pelas propostas de retirada da queixa, tem de encontrar um novo emprego, procurar uma terapia adequada… Isso, depois de já ter suportado atitudes de desconfiança aquando da apresentação da queixa!
Atualmente, é a parte mais forte que é protegida pela presunção de inocência enquanto a vítima é largada, desprotegida. Mais vale ser um poderoso perpetrador de violências do que vítima! É o cúmulo!
Alain Schwaar, novembro de 2024