A pastora e professora Lytta Basset, da Igreja Reformada Suíça, é uma teóloga conhecida internacionalmente pelas suas numerosas publicações onde se conjugam teologia e espiritualidade. É membro da associação “Expérience et Théologie”
A árvore é conhecida pelos seus frutos; o visível está relacionado com o invisível, vem dele. Há muitas vezes um fosso entre o que mostramos por fora e o que experimentamos profundamente, interiormente.
Mas como fazer a ponte com este hiato? Não se trata de introspeção. É uma exigência de autenticidade e não de perfeição: basta estar atento às nossas inconsistências. Também não se trata de moralismo. Não se trata de uma questão de dever, mas de identidade, de quem somos. Será que temos ouvidos para ouvir quem somos?
Neste espírito, o apelo à coerência para aceder à minha verdade, a todo o meu ser, é um apelo à unificação interior, para deixar de me mentir a mim mesmo, para que eu possa amar com todo o meu ser e não apenas com uma parte de mim mesmo. É assim que a minha interioridade pode irrigar a vida exterior: na medida em que faço este trabalho de unificação.
Como resultado, não preciso mais de fingir; tenho o direito de aceitar os meus limites. E esta autorização de sermos nós mesmos, apenas nós mesmos, torna-se contagiosa. Já não nos importamos em saber como equilibrar, harmonizar o nosso interior e o nosso exterior, mas todo o nosso enraiza-se na sua autenticidade. E isso será visível!
Como é que Jesus manifesta a ligação entre o exterior e o interior?
- Sendo verdadeiro
Jesus nunca se envergonha de ser humano, por vezes ansioso, vulnerável, dilacerado pela morte do seu amigo Lázaro, perturbado, desapontado, exasperado, angustiado por não ser compreendido, triste por não ser levado a sério. Ser verdadeiro, é a base da sua liberdade: “A verdade vos libertará” (Jn 8:31).
Mas Jesus não é o único a percorrer o itinerário da autenticidade. Todos podem percorre este caminho espiritual que os conduzirá a uma existência autêntica. Iniciar essa caminhada é o início da vida espiritual. - Estando atento à sua “criança interior”
Jesus coloca-se ao nível das crianças quando é confrontado à impotência ou às injustiças; não o sufoca em si esta fragilidade.
Isto implica uma certa solidão que permite escutar a criança interior, ouvi-la, deixá-la repousar-se. Isto requer a partilha com os outros. - Sendo enviado
Jesus fala muitas vezes de Deus como “Aquele que me enviou” e tem uma forte perceção de ter sido enviado.
Com efeito, quando os outros me solicitam sinto-me enviado(a). E descubro quem me envia quando aceito ser enviado(a).
Jesus sai para orar, para falar com o Pai (Mc 1:35); mas ele dirá ainda: “Vamos às aldeias vizinhas… porque para isso vim” (Mc 1:38). A sua oração levou-o a deixar-se ser enviado. É nesta ocasião que Jesus é, pela primeira vez, movido de grande compaixão (lit. Profunda emoção sentida nas suas entranhas). Era necessário que isso acontecesse para que fosse enviado aos leprosos. Um outro manuscrito diz que ele sentiu uma raiva, uma cólera ou uma luta interior. Mas acaba por ser enviado, sem fazer perguntas. No que nos diz respeito, Jesus promete que faremos as mesmas coisas que ele fez e até muito maiores, quando nos deixamos ser enviados por Deus através das solicitações que recebemos do mundo. - Sendo livre e agindo com autoridade
A autoridade (gr. exousia) é a capacidade de agirmos a partir do nosso Ser Profundo. O que nos dá a liberdade de quebrar os moldes, as convenções, de transgredirmos os tabus. Assim, não deixarei que me amarrem, que me prendam, a esta margem: vou para o outro lado do lago!
Um tempo de amadurecimento é necessário para quebrar o tabu da interioridade. Há um tempo para estar em silêncio e há um tempo para falar. O tempo para estar em silêncio é legítimo, não devemos forçar-nos a falar. A seguir, chega a hora de falar, porque nada temos a perder, porque aquilo que nutre o nosso ser interiorc chega para ultrapassar os interditos. Por isso direi: “Partilho tudo isto convosco com a confiança de uma criança; desejo ser o autor das minhas palavras”. Na Bíblia, o íntimo nunca existe sem o público, sem o outro, ou o nós. “Onde dois ou três estão reunidos em meu nome, eu estou no meio d’eles”.
Lytta Basset
Livros de Lytta Basset :
• Le pardon originel : de l’abîme du mal au pouvoir de pardonner, Paris, Éditions du Cerf, 1994
• Traces vives : paroles liturgiques pour aujourd’hui (avec Francine Carrillo et Suzanne Schell), Genève, Labor et Fides, 1997
• Le pouvoir de pardonner, Paris, Éditions Albin Michel, 1999
• Guérir du malheur, Paris, Éditions Albin Michel, 1999
• La fermeture à l’amour : un défi pratique posé à la théologie, Genève, Labor et Fides, 2000
• Sainte Colère, Paris/Genève, Éd. Bayard, 2002
• « Moi, je ne juge personne » : l’Évangile au-delà de la morale, Paris, Éditions Albin Michel, 2003
• Émergence, Paris/Genève, Éd. Bayard, 2004
• La Joie imprenable, Paris, Éditions Albin Michel, 2004 ( in Esprit & Vie)
• Au-delà du pardon : le désir de tourner la page, Paris, Presses de la Renaissance, 2006
• Ce lien qui ne meurt jamais, Paris, Éditions Albin Michel, 2007.
• Christians and Sexuality in the Time of AIDS (com Timothy Radcliffe), London: Continuum. ISBN 978-0-8264-9911-0
• Apprendre à être heureux, Paris, Éditions Albin Michel, 2008
• Aimer sans dévorer, Paris, Éditions Albin Michel, 2010
• Culpabilité, paralysie du cœur, Genève, Labor et Fides, 2012
• Le Souffle va où il veut (entretiens avec Rosette Poletti), Genève, Labor et Fides, 2013
• Oser la bienveillance, Paris, Éditions Albin Michel, 2014
• Vivre, malgré tout, Genève, Labor et Fides, 2016